Os Alçapões do Sistema Democrático


É com muita preocupação que tenho vindo acompanhar o mediático e controverso processo instaurado contra a agora proscrita Dilma Roussef (LER). Ele é bastante discutível do ponto de vista acusatório. Mesmo assim, em abono da verdade, não subscrevemos o argumento capcioso das mentes que erradamente julgam a destituição da Presidente como cometimento de um golpe de Estado antidemocrático. É uma leitura manifestamente redutora. Não estamos perante qualquer inversão da ordem constitucional. Tudo está a ser feito legalmente, tal como manda escrupulosamente a Constituição da República. 

O âmago do problema reside mais na importação defeituosa do presidencialismo dos EUA para os países da América Latina. E como sustenta o Professor Jorge Reis Novais, para ilustrar aquilo a que os doutrinadores apelidam do "presidencialismo adulterado" destes mesmos países, o modelo "corre frequentemente o risco de degenerar, seja pela ocorrência de conflitos bloqueadores do funcionamento do sistema, seja pela frequência com que tais conflitos tendem a ser resolvidos pelas vias da concentração de poderes no Presidente ou, até, do golpe antidemocrático, seja pela tentação de recurso a meios ilícitos para conquistar maiorias de apoio para as medidas governamentais ou para domesticar as oposições" (In Semipresidencialismo: Teoria do Sistema de Governo Semipresidencial, Volume I, 2007, Almedina, Coimbra, p. 85). 

E mais, se comparamos, para efeitos de aferição, o crime de responsabilidade contemplado na ordem jurídica americana com o da brasileira constataremos uma diferença assinálavel. Por isso, "a convulsão legal" em torno do impeachment na Terra do Samba prende-se com a ausência de checks and balances para fortificar o regime. Dito por outras palavras, são os alçapões do sistema contra o próprio sistema democrático. 

Inúmeros outros argumentos poderiam ainda ser invocados para questionar o processo da destituição, contudo, importa salientar que Dilma foi extremamente negligente e infeliz na forma como governou. Criou inimizades desnecessárias e, simultaneamente, subestimou os adversários. Não conseguiu mobilizar o país em torno da sua agenda política, mergulhando-o numa profunda crise económico-financeira com contornos ainda imprevisíveis. Acresce o facto de, ao longo dos últimos anos, o índice de corrupção ter aumentado no Brasil de forma galopante, somando a astúcia que usou no processo judicial de Lula da Silva nomeando este para o governo com o fito de protegê-lo da justiça, fragmentando ainda mais a sociedad(LER). Foram factores determinantes que contribuíram para o seu prematuro afastamento. Colheu apenas aquilo que semeou, isto é, fez tudo para cair sozinha (LER). Está, infelizmente, isolada. Colocou todo o mundo contra ela escusadamente (LER). Sai da presidência, por enquanto, porque não entende a política nem os homens que nela vivem (LER)

É pena porque poderia ter uma sorte bem diferente e não esta tragédia praticamente irreversível. Passa a figurar na história pelas piores razões. É uma dura derrota para o Partido dos Trabalhadores (PT) e todos aqueles que se preocupam com a emancipação feminina (LER)