Sinais dos Tempos


«De tanto ver triunfar as nulidades, 
de tanto ver prosperar a desonra, 
de tanto ver crescer a injustiça, 
de tanto ver agitarem-se os poderes 
nas mãos dos maus, 
o homem chega a desanimar-se da virtude, 
a rir-se da honra, 
a ter vergonha de ser honesto.» 

(Ruy Barbosa, citado no livro de José Pacheco Pereira, in "Crónicas dos Dias do Lixo", Círculo de Eleitores, Junho 2013). 

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As notícias que nos chegam todos os dias dos media mostram-nos galopantemente as mudanças que o nosso mundo processa, a cada instante que passa, nos mais diversos domínios do conhecimento. As mudanças sempre fizeram parte da rotina dos seres humanos. E como escrevia sabiamente o colosso português, Luís Vaz de Camões, "todo o mundo é composto de mudança". Tudo está em constante mudança, encerrava o "pai da dialéctica” Heráclito na sua construção filosófica sobre os Cosmos. O ilustre António Gedeão, no longínquo ano de 1954, vai ao ponto de considerar "que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança". As mudanças são sempre bem-vindas quando visam melhorar qualitativamente a vida das pessoas. E temos que reconhecer que, nos últimos séculos, o mundo tem dado passos gigantescos de inúmeras mudanças positivas como nunca antes visto na sua velha História, máxime no que toca ao elevado índice do desenvolvimento humano-tecnológico alcançado. 

Se de um lado nos orgulhamos vivamente com estes significativos avanços da tão propalada "era das luzes" temos, igualmente, motivos suficientes para estarmos inteiramente preocupados com algumas evoluções que temos experimentado e que são bastantes perniciosas à sociedade e ao mundo em geral. Refiro-me concretamente aos padrões do nosso comportamento Ético-moral, Familiar, Político-governativo, Económico, Social e Relacional; mudanças essas que ficam muito aquém daquilo que deveria ser o ideal. Tais maléficas vicissitudes comportamentais, a que nos acomodamos perfeitamente, mas que noutros tempos mereciam um completo repúdio dos nossos antepassados, passaram a ser encaradas por muitas almas presunçosas como sendo de "avanços civilizacionais". E assim, resvalamos na tamanha imbecilidade de chamar bem ao mal e mal ao bem; de tomar o santo por profano e vice-versa. Dito por outras palavras, assistimos incomensuravelmente a uma séria adulteração dos Grandes Princípios e Valores Sociais, que até então serviam de modelos basilares e norteadores das Sociedades, "sem que nenhuma alternativa credível surgisse com suficiente consenso social para preencher o vazio das referências nas sociedades. Emergiu, assim, um relativismo moral que praticamente remeteu para o foro de cada um a hierarquia dos valores intangíveis e, por conseguinte, desvalorizou o seu papel na orientação dos comportamentos sociais"[1]

O grande pensador francês, Eustache Deschamps, antevendo de longe as abomináveis mutações enfatizadas pelo Iluminismo do séc. XVIII,  mormente na sua vertente jacobina, aversivo ao conceito da Moral e dos Bons Costumes, expressava um sentimento geral de desânimo e melancolia face à depravação político-social que observava nos seres humanos do seu tempo, afirmando peremptoriamente que existiam apenas "fêmeas e machos estúpidos", apontando para o fim apocalíptico do mundo como sendo corolário desta desordenada e condenada forma de encarar a vida. 

Não é preciso grande sagacidade para deduzir que vivemos num mundo de estupidez; tantas vezes se manifesta a estupidez na conduta das pessoas que passa a ser acolhida como algo natural, sem praticamente qualquer tipo de censura ou questionamento no fórum da consciência. Sabemos que tudo isto não passa de um autêntico sofisma, consubstanciando na sua essência grandes contradições comportamentais, que se limita a conformar cegamente com o secularismo materialista, alheado à realidade dos factos e entregue a um desnorte, porventura, irreversível. 

Um exemplo paradigmático que poderá ser trazido aqui à colação, para confirmar as manifestas contradições subjacentes à afirmação acabada de se mencionar, prende-se com a ideia de adopção por parte dos casais homossexuais (isto ainda para não falar da própria legalização da hedionda homossexualidade, do aborto, da eutanásia e barriga de aluguer, etecetera). Se um casal opta por ter uma conduta homossexual ele está obviamente a assumir de forma implícita todas as consequências decorrentes desta sua livre decisão, que passa desde logo por não poder procriar, e consequentemente estar condenado a viver durante toda a sua vida sem ter filhos, visto ser uma orientação contra natura. Conhecendo previamente tais realidades associadas ao seu esclarecido arbítrio, de ter uma conduta homossexual, por que razão estes mesmos casais vêm contraditoriamente invocar um direito de ter prole provinda de pessoas heterossexuais, quando foram os próprios que deliberadamente optaram por ter uma conduta sexual incompatível com a reprodução? Um autêntico paradoxo, que traduz venire contra factum proprium. Mais outros argumentos são passíveis de serem usados: tais como o legítimo direito que assiste às crianças de ter um pai e uma mãe como qualquer outra pessoa, mesmo que seja em termos hipotéticos. O direito dos homossexuais em ter filhos não pode, de modo algum, sobrepor-se aos superiores interesses das pobres criancinhas. Estes exemplos representam apenas uma gota no oceano quando pensamos no conjunto de outras inverdades e de falsidades da realidade, que nos querem impingir a todo o custo, fazendo-nos crer com os seus raciocínios falazes, aquilo que jamais se poderia enquadrar na lógica da razão. 

Importa ainda salientar que a decadência político-social não fica somente nos exemplos assinalados. Basta pensarmos na forma como o mundo é governado, a começar com a corrupta política financeira, influenciada pelos grandes grupos económicos, apelidados de Mercados Financeiros (LER), que assentam toda a sua actuação na especulação, sem ver meios dignos para atingir os sórdidos fins. Aliás, a recente crise mundial foi precipitada pela avidez do lucro fácil de grandes grupos económicos que se locupletaram inescrupulosamente com ela, com as implicações nefastas que ainda hoje se fazem sentir drasticamente na vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Tudo isto somando à instrumentalização da justiça pelos poderosos em prejuízo total dos pobres. A Justiça hoje em dia é totalmente descaracterizada e falida do seu nobre propósito, uma vez que somente se aplica aos que têm influência e meios financeiros para dela se beneficiarem. 

As virtudes da Verdade, da Honra, da Honestidade, da Humildade, da Tolerância e do Respeito deixaram de ter a devida primazia que outrora gozavam. Passaram praticamente para um estágio de desuso social em detrimento da desobediência, da descrença, da vaidade, da falsidade, da mentira, da traição, da ganância pelo poder e ostentação da riqueza material. Nos dias que correm ter princípios e valores austeros é sinónimo de anormalidade, arriscando-se a ser objecto de chacota por parte dos amigos, colegas e conhecidos. E muitos acabam por ceder à torpeza, tão-somente para serem aceites socialmente como pessoas "progressistas" ou de "mente aberta" como equivocadamente os devassos denominam aqueles que adoptam tal ignóbil postura. Por isso, não é de admirar o conjunto de dramas que este mundo enfrenta e com consequências funestas, directa e indirectamente, na vida de todos nós. 

O quadro alarmante que está patente remete-nos sem excepção para uma profunda reflexão, com vista a readoptar novamente os valores tradicionais que há muito foram postergados. Só assim construiremos uma sociedade ordeira, justa e equilibrada, onde todos possam sentir-se plenamente felizes e realizados com a condição de vida expectável. 



[1] (Vítor Bento, in Economia, moral e Política, p. 29, Relógio D´Água Editores, Lisboa, 2011).