CONSIDERAÇÕES PASCAIS (4): A Dolorosa Via-Sacra do Messias [I]


Tal como sublinhámos nas nossas abordagens antecedentes: Jesus ao tomar o livre-arbítrio de ir a Jerusalém estava, sem margem de dúvida, a comungar inteiramente com a Sua missão redentora em favor da Humanidade (LER) e também (ALI) (AQUI). E tal impreterível decisão envolveria, em última instância, a traição, a injustiça, a humilhação, a morte e a sua ressurreição. Analisaremos infra, de forma sumária e sistemática, cada uma dessas aleivosas vias-sacras do Messias para o Calvário. 

(I) A traição. Começou, desde logo, com a multidão que rodeou o Senhor Jesus na Sua entrada apoteótica no "Domingo de Ramos" na Cidade Santa pedindo, dias depois, energicamente a Pilatos para crucificá-Lo (Marcos 15:8-15). Uma tamanha incongruência sem precedentes. Embora isso não seja manifestamente clarividente, nas Escrituras Sagradas, que é a mesma multidão que falseou Jesus, contudo há um entendimento generalizado no seio dos Teólogos Cristãos, sustentando que não é a mesma multidão que se revoltou contra Ele, sob o argumento que a turba que entrou com o Filho do Homem não era da cidade de Jerusalém, porque vinha das urbes circunvizinhas, para onde Ele passou, e seguiram-No até Jerusalém, tendo depois regressado às suas origens. O emérito papa Bento XVI defende esta posição no seu segundo volume de Jesus de Nazaré, bem como a maioria dos reputados Biblistas Protestantes.

Não comungamos deste entendimento preconizado. Temos uma leitura bastante diferente. É verdade que a multidão que entrou com o Senhor Jesus em Jerusalém era forasteira, no entanto acreditamos que foi, de facto, a mesma que dias precedentes O clamava devotamente: "hosana ao Filho de David! Bendito ou que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!" (Mateus 21:9-10) e, posteriormente, mudaram de opinião e pediram a Sua injusta crucificação. Isto porque não fazia qualquer sentido a caravana, que entrou com Jesus em Jerusalém, percorrer dezenas de quilómetros (alguns seguiram-No desde Jericó) para ficar apenas um ou poucos dias em Jerusalém e logo a seguir regressar às suas terras, sem ficar para celebrar a grande festa da Páscoa judaica. Aliás, a maioria das pessoas estava precisamente ali por causa da referida efeméride, que decorria naquela mesma altura do calendário. E não estamos a falar de uma mera celebração. É das mais importantes festas judaicas, que atraía montes de peregrinos para Jerusalém, tal como aconteceu em algumas ocasiões com o Senhor Jesus e a Sua família, que tiveram de deslocar-se de Nazaré para ir assistir à aludida festividade (Lucas 2:41-52). Esperava-se, por parte desta multidão, o ardente desejo de aproveitar a oportunidade aí presente para comemorar a Páscoa, como é commumente prática, hospedando-se em alguma parte da cidade.

Acresce ainda o facto que, ao longos dos três anos volvidos no ministério evangelístico, o Senhor Jesus granjeou uma enorme simpatia e fama incontornável perante o povo – tanto na região da Judeia, Samaria e da Galileia, fazendo com que conquistasse uma grande popularidade. E, justamente, por isso, havia diferentes entendimentos a Seu respeito, comparando-O com figuras proeminentes e bastante consensuais no panorama religioso de Israel, nomeadamente João Baptista, Elias, Jeremias ou um dos profetas antigos que ressuscitou e, por fim, Messias prometido (Mateus 16:13-16; Marcos 8:27-30 Lucas 9:18-20). Toda essa insigne compreensão, que o povo tinha Dele, demonstrava a elevada estima e admiração que nutria por Ele. É evidente que o Senhor Jesus era mais importante em comparação com todas essas mediáticas figuras mencionadas. Ele é o Filho de DEUS, o Salvador do mundo.

E mais, esta fama popular contribuiu decisivamente para que Ele não fosse preso e morto prematuramente, tal como sempre desejavam os chefes dos sacerdotes e doutores da lei (João 7:30). Sabemos que isto nunca iria acontecer assim tão depressa, uma vez que "a sua hora ainda não tinha chegado" (João 7:32:44). Com efeito, para gerir esse compasso de espera até chegar mesmo a Sua hora, foi preciso DEUS usar a multidão para "protege-Lo" provisoriamente, razão pela qual Jesus gozou desta "imunidade temporária" até ao tempo limite da Sua passagem desta vida para o além (João 13:1). Por isso, quando chegou a hora pré-estabelecida, que coincidiu, igualmente, com o poder das trevas (Lucas 22:53; João 13:1), perdeu completamente a "legitimidade" que beneficiava no seio do povo e, em consequência disso, foi preso e condenado à morte (Lucas 22:53).

A chegada da hora de Jesus coincidiu concomitantemente com a manifestação visível do poder das trevas (Lucas 22:53). É este poder das trevas, que por sua vez, confundiu espiritualmente a multidão em Jerusalém e mais tarde os próprios discípulos. Tal poder maléfico começou a dar sinais evidentes com a cidade a ficar em "alvoroço" com a Sua entrada triunfal (Mateus 21:10), curiosamente o mesmo termo "alvoroço" que havia em Jerusalém aquando do seu nascimento em Belém de Judeia (Mateus 2:3) que, posteriormente, culminou com a matança das criancinhas por parte do rei Herodes para poder liquidá-Lo (Mateus 2:16-18). Da mesma sorte, este último "alvoroço" resultou na predestinada morte do Filho do Homem. São os efeitos devastadores do poder das trevas, que contagiou tudo e todos na cidade de Jerusalém, incluindo a mesma multidão que aclamava Jesus, e até mesmo os seus discípulos.

Ainda em jeito de contra-argumento, para os Teólogos que têm uma leitura diferente da nossa, importa ainda salientar que Jesus tinha muitos admiradores em Jerusalém, apesar de nem todos eles considerarem-No o Messias. Mesmo assim nutriam um enorme carinho e admiração por Ele (João 7:40-52). Eis a grande questão que se coloca: onde estariam essas pessoas na hora da Sua condenação? Será, porventura, que todos os habitantes de Jerusalém eram contra Ele? Porque é que alguns não saíram à rua para defendê-Lo ou, pelo menos, tentar protegê-Lo? Não repara, caro leitor, que algo não bate certo aqui em termos da coerência argumentativa da posição que refutamos?

É verdade que nem todos em Jerusalém, como em outras cidades, gostavam de Jesus. Mas havia um número bastante significativo da multidão que O tinha como profeta, e alguns deles como Messias. Talvez fosse por esta mesma razão que Pilatos tentou arranjar uma alternativa momentânea para libertá-Lo, usando assim uma prerrogativa que não era comum naquela altura, isto é, colocando o povo como juiz num mediático processo religioso-político. Porventura, terá pensando que com isso conseguiria salvar o Senhor Jesus da sentença capital, de que traiçoeiramente estava a ser acusado, uma vez que o marginal Barrabás jamais seria preferido pelo povo em comparação com o Filho de DEUS. Presumia equivocadamente o governador romano. Debalde foram as suas "benévolas" pretensões (Mateus 27:15-26; Marcos 15:6-15; Lucas 23:13-25; João 18:38-40). Não resultaram e caíram literalmente por terra.

Estando manifestamente a reinar o poder das trevas, por causa da chegada da hora do Filho do Homem (João 13:1; 17:1), conseguiu obnubilar completamente todos aqueles seguidores, que aclamavam Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém, razão pela qual não há que admirar a mudança rápida operada na multidão. Em certas ocasiões, a própria multidão, intitulada pelo o autor sagrado de discípulos, teve esta postura dupla e redutora sobre quem é realmente o Senhor Jesus (João 6:47-58), chegando ao ponto de abandoná-Lo só porque demonstrava claramente quem deveras É (João 6:66). Por isso, não temos que ficar completamente surpreendidos com a momentânea mudança de posição da mesma multidão em Jerusalém.

O impacto abismal desta manifestação do poder das trevas foi de tal maneira que afectou drasticamente a espiritualidade dos discípulos. A começar com a censura gananciosa que fizeram com a mulher, que devotadamente ungiu o Senhor Jesus, na casa de Simão "leproso", em Betânia (Mateus 26:6-13; Marcos 14:3-9; João 12:1-8). E, ulteriormente, o sono anormal que se apoderou deles em Getsémani, ao ponto de não conseguirem resistir apenas uma hora com o Senhor Jesus em oração, não obstante estarem predispostos espiritualmente, mas a carne estava bastante fraca (Mateus 26:40-46), bem como por, finalmente, abandonarem o seu Mestre aquando da Sua prisão (Mateus 26:56). Foi, igualmente, o mesmo poder das trevas que levou Judas a trair Jesus, vendendo-O por trinta moedas de prata, e, consequentemente, ao seu suicídio (Mateus 26:14-16; 27:3-5). Da mesma sorte, levando o Apóstolo Pedro a negá-Lo três vezes (Mateus 26:69-75; Marcos 14:66-72; Lucas 22:55-62; João 18:15-18), bem como todos os discípulos a duvidar da Sua Ressurreição dos mortos, mesmo estando a falar visivelmente com eles em carne e osso (Marcos 16:9-13; Lucas 24:10-49). 

Este poder das trevas somente esvaneceu nos discípulos quando "abriram os olhos" (Lucas 24:30-35; 45-49) e começaram a interiorizar melhor a verdade central das Escrituras Sagradas, que é a vitória do Messias sobre a morte, e sendo Ele o único caminho para a salvação de todo aquele que Nele crê (Actos 4:11-12). A partir daí foram definitivamente revestidos pelo poder do Espírito Santo (Actos 1:8) e o impacto imediato que tudo isto teve depois no testemunho miraculoso dos discípulos, tal como ficou registado nas Sagradas Escrituras, sobretudo no livro de Actos dos Apóstolos.