A Deriva Perigosa do Presidente da República



É com bastante preocupação que sigo as lamentáveis notícias que chegam de Bissau, nomeadamente a loucura inqualificável do senhor Presidente da República de querer derrubar o Governo (LER) e (AQUI) e formar um novo executivo de iniciativa presidencial. Uma manobra constitucional duvidosa e extremamente perigosa para o país. 

Em primeiro lugar, de acordo com a nossa Constituição, o Presidente da Republica só pode demitir o Governo "em caso de grave crise política que ponha em causa o normal funcionamento das instituições da República, ouvidos o Conselho de Estado e os partidos políticos representados na Assembleia Nacional Popular" (art.º 104.2 e em conjugação com o art.º 68 alínea g), art.º 69.1 alínea b), respectivamente (LER)). Neste momento este pressuposto constitucional não está preenchido. Além disso, o Governo tem uma maioria sólida e bastante confortável no Parlamento. E para dissipar todas as dúvidas que eventualmente possam surgir a esse respeito, os deputados na Assembleia da República, aprovaram por unanimidade, há um mês atrás, uma moção de confiança ao Governo (LER), somando isto com a simpatia generalizada que este goza perante os Guineenses. 

Onde está então a razão devidamente fundamentada para o Presidente da República demitir o Governo? Será que é por causa da corrupção que afecta alguns membros do executivo (LER), (ALI) e (AQUI)? Quem é que esteve no poder na Guiné-Bissau que está inteiramente imune à corrupção? O Presidente tem assim tanta autoridade politico-moral para apontar dedo aos elementos indiciados pelo Ministério Público? E o processo dele que envolve o desvio de 12.5 milhões de dólares quando era ainda Ministro das Finanças (LER)? Já provou a sua inocência perante as graves suspeitas de corrupção que recaem sobre ele (LER) e também (AQUI)? De facto as más conversações pervertem os bons costumes. 

E mais, importa ainda salientar que o tão propalado Governo de iniciativa presidencial coloca complexas questões de fundo. Desde logo, é uma prerrogativa que não está consagrada na nossa ordem constitucional. Requer sempre a anuência dos partidos maioritários na Assembleia Nacional Popular (ANP) para a sua efectivação, uma vez que não é um acto unilateral do Presidente da República. Se ele der posse a um Governo da sua iniciativa, sem consentimento dos grandes partidos, este Governo cairia na Assembleia pela rejeição do seu programa ou por moção de censura. 

Para haver Governo de iniciativa presidencial é necessário que haja uma crise profunda de ingovernabilidade no país, sobretudo quando o partido vencedor das eleições legislativas não dispõe, ou posteriormente, de uma maioria sólida no parlamento para sustentar o Governo. E perante a manifesta incapacidade dos partidos políticos se coligarem que o Presidente da República intervém, usando assim a sua "magistratura de influência" para formar um Governo da sua iniciativa. Mas tal somente se aplica em casos limites e excepcionais, ou seja, quando já foram explorados todos os mecanismos legais necessários para assegurar a governabilidade do país. Factos que não se aplicam ao actual executivo. 

O intento maléfico do Presidente da República para derrubar o Governo é de uma tamanha irresponsabilidade política sem precedente, que consubstancia um ajuste de contas com o passado e um claro acto de vingança pessoal para com o Primeiro-Ministro. Transporta os problemas de fórum particular que ambos têm para a agenda governativa do país. Tal postura somente vem confirmar abuso de poder e a ausência de sentido de Estado do Presidente da República. E perante tudo isto voltamos a interrogar: Que Governo (ele) vai criar que mereça tanta a confiança dos Guineenses e da Comunidade Internacional, mais do que o actual? Onde é que estão os conselheiros do Presidente da República para demovê-lo deste acto antipatriótico que viola manifestamente a Constituição? E a Sociedade Civil vai ficar de braços cruzados a ver o futuro do país novamente adiado? 

Em face de tudo que ficou exposto, uma coisa tenho a certeza absoluta: os políticos Guineenses não se enxergam. Não aprendem nada com o passado e muito menos civilizam. Se fossem pessoas inteligentes teriam aprendido imenso com inúmeros exemplos da História do país. O Presidente da República está a contribuir, assim, decisivamente, para pôr em causa os ganhos assinaláveis que o Governo do Engenheiro Domingos Simões Pereira tem vindo a conquistar e, consequentemente, a hipotecar o futuro da Guiné-Bissau. Ele está a escavar o seu próprio abismo sem dar conta disso, julgando-se superior e detentor do cenário político do país. Se continuar assim com esta deriva e atitude de prepotência, quanto menos esperar, chegar-lhe-á a repentina desgraça, tal como aconteceu aos seus antecessores. Quem avisa amigo é, diz o adágio popular.